Textos/Texts
Três tempos de pintura
Paulo Reis
1995
Segundo o mestre Argan “a arte moderna nasce da cultura artística do Iluminismo”, cujos temas fundamentais eram a recusa da retórica barroca figurativa, a busca de uma lógica de representação formal e a autonomia do artista. Deste legado nasce a consciência moderna do aprendizado do ateliê e da referência. O que o pensamento contemporâneo vai chamar de “Pós-modernidade”.
Três tempos de pintura se insere neste contexto da referência como busca da autonomia. Bel Barcellos, Luíz Ferraz e Miguel Pachá estabelecem esta autonomia como síntese de seus trabalhos. Apesar de mostrarem uma pintura diferente em todos seus aspectos formais, os três apresentam, na Sala Bernadelli do Museu Nacional de Belas Artes, esta gestação temporal de uma pintura concebida dentro dos cânones modernos.
Bel Barcellos vai buscar em Klimt uma figuração que aparece e desaparece de acordo com sua necessidade cromática específica. Mais precisamente em a “As três idades da mulher” que lhe serve de parâmetro para trabalhar o plano da tela. Ela divide esta figura em partes, fazendo uma incisão nela, repartindo-a pelos vários cantos da tela, encobrindo-as de cores luminosas, na primeira fase, e aguadas e pastéis, na segunda. Bel busca a essência e autonomia desta figura que nasceu num tempo moderno e se estabeleceu como signo desta arte.
Luíz Ferraz vai buscar nas paisagens a representação da funcionalidade da arte, por conseguinte, do desenvolvimento do gênero mais adequado a esta racionalidade: a paisagem natural do seu país. Como brasileiro, vivendo no exílio, Ferraz busca na natureza brasileira esta autonomia social e psicológica. Sua ligação com Maria Polo e Mohaly não se dá por acaso: são laços formais de um pensamento plástico calcado na natureza (entenda-se representação desta natureza não mais como janela) que ficou presa à sua memória. O tempo como senhor desta natureza grudada nas mais preciosas camadas de tinta.
Miguel Pachá continua na sua cruzada matéria e representação, em busca de um tempo perdido nas paisagens lunares, orgânicas, feitas de luzes que impulsionam a matéria . “Faça-se a luz e foi feita a luz”. Pachá vai a Turner e a Constable, paisagistas ingleses modernos na sua concepção de natureza, para criar sua autonomia. Mas as paisagens do pintor contêm uma expressividade dramática digna de Rembrandt com suas tempestades. Se nos ingleses essa natureza é concebida como ambiente de vida e não reflexo do criador na imagem do criado, em Pachá essa natureza é a passagem do tempo de aprendizado e sua construção cultural.
São três tempos de pintura localizada na esfera do tempo moderno. Tempo senhor de todos os tempos e por isso irrefreável na sua razão de existir.
The three timings of painting
Paulo Reis
1995
According to art critic Argan “modern art is born from the artistic culture of the Enlightenment”, whose main themes were the refusal of baroque figurative rhetoric, the pursuit of a logic of formal representation and the artist’s autonomy. From this inheritance is born the modern mindset of learning through the atelier and from reference. This is what contemporary thought calls “Post-modernity”.
“The three timings of painting” is embedded in this context of viewing reference as a search for autonomy. Bel Barcellos, Luíz Ferraz and Miguel Pachá establish this autonomy as a synthesis of their works. Despite displaying styles of painting that are different in all their formal aspects, the three painters present, at the Bernadelli Room, in the National Museum of Fine Arts, this temporal gestation of a painting conceived within the modern canon.
Bel Barcellos searches Klimt for a figuration that appears and disappears according to her specific chromatic needs. More precisely in “The three ages of women”, which functions as her parameter to tackle the plane of the canvas. She divides this figure in parts, making an incision, slicing it through the fabric, covering it with luminous colors on a first stage, and with watery-pastel in the second. Bel looks for the essence and autonomy of this figure that was born in a modern time and established itself as a symbol of this art.
Luíz Ferraz searches landscapes for the representation of the functionality of art, and, by consequence, reaches the genre that is most adequate to this line of thinking: the natural landscape of his country. As a Brazilian, living in exile, Ferraz searches Brazilian nature for this social and psychological autonomy. His connection with Maria Polo and Mohaly isn’t by accident: it is made by the formal ties of an aesthetic thinking based on a nature (one should understand this as the representation of this nature no longer as a window) that was stuck in his memory. Time as the master of this nature glued to the most precious layers of paint.
Miguel Pachá continues his crusade of working with matter and representation, in search of the lost time of lunar, organic landscapes, made by the light that drives matter. “Let there be light and thus there was light”. Pachá resorts to Turner and Constable, English landscape artists with a modern conception of nature, in order to find his autonomy. But the landscapes of the artist bear a dramatic expressivity closer to Rembrandt and his tempests. While for the English artists this nature is conceived as an environment of life rather than the reflection of the creator into what’s created, in Pachá, this nature is the passage of the time of learning and its cultural creation.
Those are the three timings of painting located within the sphere of modern time. Time as a lord of all times and thus unstoppable in its reason to exist.