Textos/Texts
Conexões
Gabriela Davies
2018
Encontros e conexões permanecem o motivo principal nas obras de Bel Barcellos. Movida por um desejo de materializar os fios imaginários que ligam as pessoas, a artista costura histórias de encontros, sentimentos e afetos. Em trabalhos anteriores, ela buscou usar a figura humana de forma mais icônica, onde as fisionomias das figuras eram elaboradas para universalizá-las: rostos e silhuetas simplificadas e idealizadas no traçado preto da linha que contrapunha o tecido alvo do fundo. O interesse de Bel residia antes na expressão de conflitos, desejos, silêncios, buscas entre outros sentimentos expressos através de seus personagens imaginários. Nas obras que compõem Conexões, porém, o tracejar toma características apropriadas de pessoas reais, com cabelos distintos, pele, altura, idade e corpo que singularizam cada um. Pessoas reais que, na visão da artista, se transformam em ponto e linha, concedendo à obra de arte suas histórias subjetivas.
A costura e o bordado são, historicamente, atividades relacionadas ao feminino. Como um ensinamento geracional de mães às filhas, ou avós às netas, técnicas foram sendo ensinadas como forma de ornar ou consertar. Técnicas que hoje são compreendidas quase-obsoletas, de forma que acabam ganhando valor histórico, simbólico, sentimental e artístico. Se o bordado visou ornamentar peças de roupa ou de casa em algum momento, nas telas de Bel Barcellos a concentração do visível, da aparência física de cada indivíduo, pretende compreender a complexidade emocional do ser.
O impacto inicial de Conexões se firma na composição inteira das trinta telas exibidas lado-a-lado, com o mesmo intervalo entre elas, o mesmo fundo de lona crua, ressaltando a complexidade de cada detalhe executado pela artista. Figuras se portam eretas, de perfil, se entreolhando. As sutis linhas beges ao fundo – cor que iguala o tecido envolto no chassis – parecem cruzadas aleatoriamente mas, a um olhar mais atento, se conectam apenas dentro de cada par. São fios simbolizando as conexões criadas dentro de cada relacionamento, de cada universo individual que se tornou um casal ao passar do tempo. Essas histórias talvez não serão explicitadas para o visitante, que por si só pode criar sua própria narrativa – seu próprio entendimento de cada um.
É curioso notar a personalidade de cada casal. Dois homens que se parecem no retrato bordado se entreolham de maneira quase-espelho como se só tivessem mudado as cores das roupas e dos cabelos. Um outro par demonstra seu amor comum pelo Flamengo, ambos usando camisetas das cores do time. Ao observá-los, nossas mentes nos levam direto ao por que – será que são tão fascinados assim? Ou será que estão se preparando para um grande jogo? Mas o repentino se encontra nas conclusões que vêm a seguir – são vidas que começam a se moldar em conjunto ao passar do tempo. Uma espécie de mimesis involuntária reativa ao convívio.
Alguns pares parecem improváveis – estão usando roupas que não se adequam a situação em que o outro se encontra, como uma mulher que se está descalça, possivelmente fotografada no conforto de sua casa, enquanto sua parceira veste calça e sandálias. Existe também a proporção de cada par, que as vezes um é mais alto que o outro, ou mais velho, ou mais magro, mas tudo também para lembrar que o amor é o fator de maior importância. No final, pouco importa se as aparências não combinam, quando o importante está logo abaixo das camadas do plano visível. Se o trabalho da Bel Barcellos dessa vez foca nos figurinos e aparência de cada personagem, é porque a história de cada par se consolida por si, tanto no imaginário do visitante quanto na memória de quem se vê no retrato.
Connections
Gabriela Davies
2018
Encounters and connections remain the main motif in Bel Barcellos’ work. Moved by a desire to materialize the imaginary threads that connect people, the artist sews stories of encounters, feelings and affections. In previous works, she strived to use the human figure in a more iconic way, where the physiognomy of the figures was designed to universalize them: simplified faces and silhouettes, idealized in the black outline that rendered them visible against the background. Bel’s interest resides mostly in the expression of conflicts, desires, silences, yearnings, amongst other feelings expressed by her imaginary characters. In the works that make up Connections though, the outlining represents characteristics drawn from real people, with distinct hair, skin, height, age and a body that singularizes them. Real people that, by the artist’s vision, are transformed into stitches and threads granting the artwork its subjective histories.
Sewing and embroidery are, historically, activities related to the feminine universe. As a generational knowledge passed from mother to daughter, or from grandmother to granddaughter, techniques were taught as a way to adorn or mend. Techniques that are seen today as nearly obsolete, in a way that they end up gaining historical, symbolic, artistic and sentimental value. If embroidery once sought to adorn pieces of clothing or furniture, in Bel Barcellos’ canvas, the visible aspects, the physical appearance of each individual, seeks to comprehend the emotional complexity of the being.
The initial impact of Connections is based on the entire composition of thirty canvasses placed side by side, with the same distance between them, the same background of raw canvas, highlighting the complexity of each detail rendered by the artist. The figures are seen upright, in profile, staring at each other. The subtle beige lines in the background – a color that matches the fabric stretched across the frame – appear as if arbitrarily crossed but, upon careful inspection, connect only within each pair. They are threads that symbolize the connections created within each relationship, of each individual universe that became a couple as time went by. These stories may not be explicit to the spectator however, who may create his own narrative, his own understanding of each piece.
It’s interesting to note the personality of each couple. Two men that look alike in the embroidered picture stare at each other in an almost mirror-like way, as if they had only changed the colors of their hair and clothes. Another pair displays their common love for Flamengo football club, both wearing the team’s t-shirt. By observing them, we start questioning the motivations – are they that fascinated? Or maybe they are preparing for an important match? But the sudden finds itself in the conclusions that follow – those are lives that start to shape themselves in connection to the passing time. A type of involuntary mimesis reactive to living amongst each other.
Some couples look unlikely – they use clothes that are not fitting to the situation their partner is in, like one of the women who is barefoot, possibly being photographed from the comfort of her home, while her partner is dressed in pants and sandals. There is also the issue of the proportions of each pair; sometimes one is taller than the other, or older, or thinner, but all of that also to remind us that love is the most important factor. In the end, little does it matter if appearances don’t match, when what’s important is beneath the layers of the visible. If Bel Barcellos’ work focuses this time on the clothes and appearances of the characters, it is because the history of each pair is already consolidated, both in the spectator’s imagery and in the memories of those who see themselves portrayed.